“Eu sou o Amoroso, velho barco de outrora. Já passei a novo; mais amoroso agora”.
Este é o mote escrito no interior deste varino do Tejo, como uma frase anteposta ao início de um poema, utilizada como o motivo de uma obra. Só que os poemas aqui, são as embarcações do Tejo e o seu poeta, é um Mestre artesão; o Mestre Jaime.
Entro no Estaleiro há procura do Mestre; aqui, num velho rádio, ouve-se o Fado enquanto se trabalha. Poderia lá haver melhor melodia de inspiração, para dar vida aos velhos barcos do Tejo!
Esta, é talvez a segunda vez na minha vida, que entro num estaleiro naval. Mas este é diferente.
Dizem que a idade nos torna mais nostálgicos e eu tenho que concordar … o cheiro, a visão das madeiras espalhadas e o som das máquinas da carpintaria, recordam-me a minha primeira profissão como marceneiro, só que aqui não há móveis, há barcos; muitos barcos! Grandes, pequenos e belos barcos de madeira: Varinos, Canoas, Muletas e Galeões. Há escadas altas para lhes subir, há carris no chão que conduzem à baía do rio, cordas e velas, poleames e mastros de madeira de tintas garridas que pintam vidas do passado e o tornam presente.
Há paixão, carinho, dedicação e mestria, num local que perpetua e preserva a história das pessoas; a história de uma nobre profissão das embarcações de madeira e a história do Tejo.
Indicam-me que o Mestre anda por ali ocupado, talvez do outro lado do estaleiro. Quando entro num dos armazéns, pergunto pelo Mestre Jaime, àquele homem alto e bastante atarefado …
– Não sou Mestre – responde-me humildemente – Mestre era o meu Pai; esse é que era um Mestre!
Explico-lhe sobre o propósito do meu trabalho, em querer perceber e revelar o Tejo esquecido e as suas zonas ribeirinhas. Conversamos um pouco e falamos sobre o Tejo de agora – um rio onde têm sido cometidos muitos erros; o assoreamento que causa agora a dificuldade em o navegar, a construção das pontes de Vila Franca e 25 de Abril, que aos poucos, vieram matar as embarcações e as profissões tradicionais.
Com um simples telefonema, marca-me encontro com um amigo de Vila Franca, que se prontifica a subirmos o rio até onde ele ainda é navegável … Valada do Ribatejo.
– Vai bem acompanhado. Este amigo, vai-lhe explicar tudo sobre o rio, as suas margens e como ele se encontra agora.
O Mestre, fala-me um pouco de si e da sua história. Quando me diz que tem 76 anos, fico perplexo e sem palavras, pois não é só a sua aparência jovial e robusta que não revelam a idade, mas também a forma como me fala dos seus ainda, inúmeros projectos.
Faz questão de me mostrar todo o estaleiro e de forma saudosa e orgulhosa, lá me foi explicando que actualmente, já tem mais homens a trabalhar por ali – e dos bons … – refere.
Revela-me os trabalhos que tem actualmente em mãos … entristece-se pelo facto de já ter concluído alguns há mais de três anos (como é o caso da Muleta) e desde aí, ainda se encontrarem à espera para serem autorizados a navegar! Apesar do interesse e forte aposta dos municípios ribeirinhos, existem procedimentos externos, demasiadamente burocráticos. Se tudo fosse feito de forma célere e competente, o Tejo e consequentemente o turismo e o património, só teriam a ganhar em todos os aspectos, com a revitalização destes barcos.
O seu olhar ilumina-se quando lhe pergunto por quem irá dar continuidade a esta profissão, e como qualquer Pai orgulhoso, indica-me o seu filho Ricardo, que também ele abraçou de forma apaixonada, o gosto e o saber dos barcos tradicionais.
Mestre Jaime, começou a trabalhar muito novo. O carregamento do Sal e da areia em Varinos, era um modo de vida dos seus avós maternos e, aliás, de quase toda a sua família da aldeia do Gaio, aqui bem perto, assim como da maioria das pessoas destas aldeias ribeirinhas, em que os homens eram maioritariamente marítimos ou carpinteiros navais e os rapazes, eram moços dos barcos.
Aos sete anos, já navegava no rio com carregamentos de sal, com destino ao Cais Sodré. Mais tarde, chegou ainda a ser jogador de futebol profissional, mas foi nas embarcações que descobriu a sua grande paixão. Enquanto miúdo, dava assistência aos carpinteiros navais e aos calafetes, na calafetagem dos barcos. Na altura, não existiam ferramentas eléctricas, era tudo feito com machados e enxós!
Recorda que, um dia, o seu Pai lhe sugeriu para fabricar uma Canoa, num tempo em que as embarcações de madeira, já se encontravam um pouco em declínio e, esse, foi o ponto de partida para uma vida de paixão e dedicação aos barcos de madeira do Tejo, como Mestre Carpinteiro Naval.
Despeço-me do Mestre Jaime, e aqui nas palavras deste texto, presto-lhe a minha devida vénia e homenagem, com votos de que continue assim por muitos anos e também o melhor dos sucessos ao seu Ricardo, para que juntos levem os barcos do Tejo a bom porto.
Obrigado Mestre.
📸 Foto reportagem – Mestre Jaime – Alma e Paixão pelo Tejo.
Este artigo, faz parte da série de crónicas “Ao Longo do Tejo“. Próxima paragem: Praia do Samouco.
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5 Comments
Obrigada por esta partilha.
Cumprimentos,
Etelvina Almeida
Nós é que agradecemos a simpatia 😉
Votos de um excelente 2023.
Muito obrigada.
Votos de um bom ano 2023.
Good Morning,
We retirees are very interested in the knowledge, construction and use of the boats Avieiro Bataira as they sail on the river Tejo. For more than 20 years we have sailed here in Amsterdam with a traditional boat from Thailand. However, it has become too big for us with too much maintenance. A few years ago we camped near Salvaterra and Escaroupim Marina on the Tejo. We suddenly fell in love with these boats and would like to buy an Avieiro Bataira! Maybe a used or a new one! Is that possible? We would like to travel to Portugal and get in touch with owners or shipyards who may have a boat for sale or can build one? Can you help us further.?
Os reformados estão muito interessados no conhecimento, construção e utilização dos barcos Avieiro Bataira durante a sua navegação no rio Tejo. Por mais de 20 anos, navegamos aqui em Amsterdã com um barco tradicional da Tailândia. No entanto, tornou-se grande demais para nós com muita manutenção. Há alguns anos acampámos perto de Salvaterra e da Marina de Escaroupim no Tejo. De repente, nos apaixonamos por estes barcos e queríamos comprar um Avieiro Bataira! Pode ser usado ou novo! Isso é possível? Gostaríamos de viajar para Portugal e entrar em contacto com proprietários ou estaleiros que possam ter um barco à venda ou construir um? Você pode nos ajudar mais?
With kindly regards,
Paul Hendriks e Ceciel Kappers.
Prinseneiland 107a ,
1013LN Amsterdam. Holland
Telefone 0031 6 29510532
e-mail: info@pamhendriks.nl
Good morning!
Thanks for reading our article.
I believe it is possible to purchase the boat you are looking for!
Below is the contact information of the only and current builder of the old boats on the River Tagus and the only active shipyard of this type of vessel:
This is Mestre Jaime and the shipyard’s address is as follows,
R. 25 Abril 32, 2860-662 Sarilhos Pequenos – Portugal.
I also leave the article we did about Mestre:
https://almadeaventureiros.pt/mestre-jaime-alma-e-paixao-pelo-tejo/