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Monte Perdido – A Grande Escalada

São 05H30, quando nos encontramos na entrada do parque de campismo com os restantes elementos do grupo e com o nosso guia de montanha, o Javi.

Havíamos estado ontem no escritório dos Guias de Torla e foi em conversa com o responsável, que percebemos o quão efectivamente por ali, aquelas montanhas são respeitadas e que uma escalada, não pode nunca ser levada de animo leve! Não só pela geografia do local, mas também porque numa escalada de alta montanha, as condições atmosféricas, podem mudar de um momento para o outro.

Quando o Alan viu o Hugo e depois de saber que ele só tem 11 anos, ficou surpreendido; explicou-nos que a sua primeira grande escalada, também havia sido feita com o seu Pai, precisamente ao Monte Perdido e quando ele tinha, apenas sete anos. Olhou para o Hugo e com um sorriso, disse-lhe … “ … és corajoso. Se chegares lá acima, serás a primeira criança dessa idade a fazê-lo! … “.

Explicou-nos que iríamos integrados num grupo de mais quatro pessoas e tinha escolhido o Javi como guia, pois era o mais experiente de todos e simultaneamente, aquele que mais teria capacidade para motivar uma criança a concretizar o seu objectivo.

Efectivamente, e logo após o termos conhecido, simpatizámos com ele, sobretudo pelo facto de ter começado de imediato a brincar com o Hugo.    

 

Já estamos a mais de dois mil metros de altitude. Depois de um longo percurso nocturno com nevoeiro serrado ao longo do planalto, surge-nos o crepúsculo, e com ele, começamos a vislumbrar o Vale de Ordesa. Cá do alto, a visão é simplesmente de cortar a respiração.

A imponência do local é indescritível!

O nosso trilho, é feito agora pela beira de um precipício vertical de respeito. Para além de algumas rochas soltas, também é preciso ter um cuidado adicional com o facto de estarem ainda escorregadias pelo orvalho da manhã e pelos inúmeros cursos de água, que escorrem dos degelos. Sempre que as altas nuvens se abrem um pouco, é-nos possível contemplar os gigantes que nos rodeiam, alguns, cobertos por glaciares que nunca degelam.

Já antes e por diversas vezes, que havíamos feito escaladas e trilhos em várias serras, mas nunca nada semelhante a isto!

O grupo está animado e o Hugo então … está ao rubro. É sem dúvida a admiração de todos e agora a inspiração, pois o cansaço, parece começar a instalar-se e é olhando para ele e para toda a sua animação e energia, que recuperamos forças. De quando em vez, cenários que parecem surreais a esta altitude; avistamos pastores com os seus rebanhos e de forma impressionante, algumas águias que surpreendentemente, voam mais baixas que a altura onde nos encontramos!

Fazemos pequenas pausas, onde aproveitamos para tirar algumas impressões e falarmos um pouco sobre as experiências pessoais de cada um, nestas andanças.

Para trás, ficou o refúgio de Goriz, na alta pradaria e estamos já a cerca de 2800 metros de altitude. Seguimos pela Faja Roxa, que efectivamente o é, não só de nome, mas na sua coloração. À nossa esquerda, o gigante Cilindro de Marboré, à nossa direita o Añisclo e em frente, o maior dos três … o Monte Perdido, que teimava em não nos deixar ver o seu pico! Entramos na zona dos glaciares suspensos e literalmente por baixo de inúmeras cascatas; o caminho é agora mais uma vez, feito à força de braços.

Ao final de 18 anos, podia dizer que já nada me surpreende na determinação e força da Sofia, mas não … ela vai agora na frente e lança mãos às correntes, começando a sua escalada, e eu … bem … estou simplesmente maravilhado em ver esta mulher d’armas … a minha Sofia … a minha aventureira!

O oxigénio, começa agora a ser mais rarefeito, o que aumenta exponencialmente o cansaço. O ritmo quebra um pouco não só por esse facto, mas também porque a subida é cada vez mais acentuada. Um cume após outro, ficamos sempre na expectativa de que no próximo, já se consiga avistar o pico dos picos … mas isso teima em não acontecer.

Chegamos aos 3000 metros, ao lago gelado de Marboré e fazemos uma nova pausa.

 

Ontem e sem o Hugo saber, eu e a Sofia conversámos bastante sobre isto. Analisámos todas as possibilidades e apesar de ser uma vontade do Hugo, chegar aos 3400 metros no pico da montanha, o certo é que, se iria ser difícil e algo arriscado para nós, seria muito mais para uma criança! Combinámos então, que subiríamos os três até ao ponto minimamente acessível, ou seja; este lago onde nos encontramos agora. Depois reavaliaríamos toda a situação e consoante o cansaço e as condições climatéricas, decidiríamos se aguardávamos aqui no lago, enquanto o restante do grupo terminava a ascensão final, uma vez que, e conforme constato agora, ficaríamos permanentemente em linha de vista com o guia.

Chamamos o Hugo e colocamos a questão … ele sem hesitar, responde-me: “ … Pai, já chegámos até aqui, certo? Agora só paramos no cimo. Vamos todos. Não fica ninguém para trás, nem desistimos. E viemos aqui para deixar uma lembrança para o mano, lá no cimo … embora lá“.

Olho para ele enquanto começa a caminhar ao lado do Javi e arrepio-me; olho para a Sofia … tento ocultar, mas não consigo, as lágrimas escorrem-me impulsionadas num misto entre perplexidade e receio, mas acima de tudo, um orgulho enorme.  Pela primeira vez, o ciclo da vida, seguindo o seu rumo natural, alterou-se. Era agora o nosso filhote que puxava por nós!

 

Estamos no início de La Escupidera, perante a última e a mais íngreme das etapas. Faltam uns 400 metros e visto assim, pode até parecer pouco, mas aqui, com tanta gravilha solta nesta altura do ano, por cada dois ou três passos que damos a subir, escorregamos um no sentido contrário.

O caminho é agora feito literalmente de gatas e eu e Sofia, já estamos no limite das nossas forças, porém, o facto de sabermos que o Hugo, apesar de estar igualmente exausto, não desiste; dá-nos a força e determinação que falta. Isso, conciliado com o facto de finalmente o nosso grande objectivo estar já mesmo ali … mais 10 ou 15 metros finais.

Chagamos ao topo.

A exaustão é indescritível, mas é completamente superada por todo o entusiasmo sentido.

Desde muito jovem que sempre senti um enorme fascínio por grandes montanhas … assim como uma espécie de chamamento da natureza, que me queria transportar até aos locais mais elevados e desafiar-me. A espiritualidade destes locais é inegável; não o sei explicar, mas há qualquer coisa de místico nestes locais tão grandiosos, onde nos sentimos tão pequenos!

Estamos praticamente sobre a linha fronteiriça com a França. Deslumbrados, olhamos ao redor. Lá muito em baixo, os diversos vales glaciares e ao redor, uma infindável cordilheira montanhosa de onde sobressaem os picos do Cilindro de Marboré, do Añisclo, do Aneto e o Vignemale.

Finalmente sentamo-nos para o merecido repouso e para algo que havíamos prometido a alguém muito especial … deixar a minha pulseira na pequena estatueta de dragão que assinala o cume desta montanha.

Dedicatória desta crónica:

Dedicada aos meus filhos Rúben Graça, Ricardo Graça, Hugo Graça e à minha Sofia.

A ti Ricardo, em tua memória filhote … aqui, neste local, foi o mais perto que consegui estar de ti … perto do céu, com os pés assentes na terra. Subimos alto, mas nunca tão alto ao ponto do enorme ser humano que tu foste. Obrigado por me relembrares o que é viver.

A ti Hugo; hoje subiste menino e voltaste Homem. Talvez um dia possas ler estas palavras e talvez eu e a Mãe já não estejamos cá, mas ao lê-las, recorda-te deste momento e nunca te rendas perante nada na vida, como o fizeste neste dia … em silêncio só para ti, ou se preciso for, grita a plenos pulmões:  “ … era apenas um menino, quando subi ao topo do Monte Perdido. Eu estive lá com o meu Pai e com a minha Mãe …”.

Dicas de aventureiro:

  • Grau de dificuldade – Alto/Elevado.

(não aconselhável a pessoas com síndrome vertiginosa)

  • Tempo de percurso de ida:

(Média, mediante época do ano, condições climatéricas e condição física. Aconselho que ponderem a possibilidade de dividir em dois dias)

1ª etapa: Padrera de Ordesa ao refúgio de Goriz – Entre 4 a 6 horas.

2ª etapa: Refúgio de Goriz ao topo do Monte Perdido – Entre 3 a 4 horas.

  • Distância total de ida e volta – Cerca de 25 a 30 quilómetros.
  • Equipamento:
    • Roupa e calçado de montanha, adequado à época do ano, prevendo sempre a possibilidade de súbitas alterações climatéricas.
    • Mochila apetrechada com: barritas energéticas, água e/ou bebidas à base de eletrólitos, uma muda de roupa, produtos de higiene e creme hidratante pés e mãos, pequeno kit primeiros-socorros, pequeno abrigo/tenda de montanha, sticks retráteis de caminhada, granpons para neve e gelo.
    • Se considerar o percurso pelas cavilhas, deverá contar com arnês, capacete e mosquetões.

Caso não seja experiente em escalada e montanhismo (ALTA MONTANHA), aconselho a que se faça acompanhar de guias especializados, certificados e autorizados.

Faça inserido num grupo, pois é muito mais motivador e obtém-se sempre, espírito de entreajuda.

Ao reservar através das nossas ligações abaixo, não paga mais por isso e nós obtemos um contributo dos parceiros comerciais afiliados, conseguindo assim dar continuidade à existência deste Blogue.

» Se pretender, contacte-nos e estaremos à disposição para elaborar um roteiro de viagem, à sua medida:

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Esta crónica, faz parte de um Roteiro de Viagem, o qual poderá ler na íntegra, aqui: 

»» Espanha – Rota dos Parques Naturais, Vilas e Aldeias Históricas.

 

4 Comments

  1. Susana Oliveira diz:

    Espetacular. Vamos para Ordesa na próxima semana com os nossos filhotes de 4 e 3 anos. Depois de ler a sua crónica tenho a certeza que iremos regressar quando tiverem 12 e 11 anos para subirem conosco! PARABÉNS

    • AlmadeAventureiros.pt diz:

      Sim, sem dúvida que irão querer voltar e escalar com eles. todo o Vale de Ordesa, é um local incrivelmente belo e inesquecível, e esses momentos, são aqueles que, especialmente eles, recordarão para toda a vida, sobre os pais. Votos de uma excelente viagem e óptimas aventuras.

  2. Paulo Pita diz:

    Fantástico amigo.
    Como sempre adorei o teu texto e a fotos.
    Muito obrigado pela partilha desta vossa aventura.
    Grande abraço

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