– Fevereiro de 2017 –
Foi por entre dolinas, chousos, algares, grutas e um “mar” desconhecido de muitos, que nesta aventura rumámos até ao fantástico Parque Natural das Serras de Aires e Candeeiros.
Escolhemos como ponto de partida, o percurso pedestre de pequena rota (PR1/ACN) em Alcanena, mais concretamente nos Olhos de Água, considerado oficialmente como a nascente do Rio Alviela. Mas … será?!
Foi através do meu Pai; um Alfacinha de gema, agora ali residente, que fui recolhendo alguma informação acerca da famosa nascente. Daí já saber de antemão que provavelmente e apesar de ali ser considerada a nascente do Alviela, talvez não fosse exactamente assim … bem, pelo menos e depois do meu Pai me falar da existência de uma gruta de onde a água brota abundantemente no Inverno, fiquei curioso!
A seca que nesta altura ainda persistia por todo o nosso país, levou-me a calcular que me fosse facilitar a vida e satisfazer a curiosidade de poder eventualmente aceder à gruta.
Claro que ao ir para aqueles lados, impunha-se a visita ao meu Pai. Mas não lhe disse exactamente ao que ia, pois afinal, Pai é Pai e como tal, não o queria preocupar, por isso optei por lhe dizer que desta vez, iríamos dormir por ali na caravana, para experimentarmos o parque de campismo e darmos uma caminhada pela serra.
Podia dizer que me despedi do meu pai com um abraço, mas a realidade é que , abraços, nunca fez muito o seu jeito. Porém, o seu olhar e os seus gestos, quando estamos juntos, sempre me transmitiram todo o carinho e afecto.
Entrámos para a caravana; dei a volta e volto a olhar para ele … para o alto dos seus 76 anos. Como sempre, a idade dissipa-se e vêm-me à memória as imagens de quando alegremente, me levava às cavalitas para todo o lado, pelas ruas de Benfica e as azinhagas de Carnide … pensamentos que ficam e nos acompanham … que nos definem … que contam a nossa história.
Chegados à nascente e seguindo lateralmente pelo trilho do percurso, deparámo-nos com uma gruta de onde brota o rio. Nesta altura do ano já levava alguma água considerável, pelo que optei por o Hugo e a Sofia não avançarem por ali e até porque depois de avaliado, concluí que o grau técnico exigia segurança e equipamento. Para mais, para uma criança não é de todo aconselhável. Assim a família fez o percurso normal … mas eu tinha que me aventurar! Quando as chuvas carregam forte, não teria hipótese, pois as grutas ficam repletas como canhões de água e só se consegue percorrer, com equipamento de mergulho e outros meios técnicos adequados.
O que encontrei foi simplesmente deslumbrante! Após percorrer a longa gruta em forma de canhão e com cada vez mais luz, vislumbro uma segunda gruta, e pelo meio … um algar com mais de 30 metros de altura, o qual parecia estar ali propositadamente como que a pedir-me para ser escalado e descido.
De volta ao fundo do algar, entro decidido na segunda gruta, esta mais larga e com um percurso um pouco mais complicado, mas igualmente fantástico.
No final … o curso de água continuava por entre o bosque.
O dia já ia longo e começava a escurecer. Havia que dar aquela primeira etapa por terminada, tendo-se optado por pernoitarmos na praia fluvial do parque de campismo dos Olhos de Água, mesmo com a nascente do Alviela a correr aos nossos pés.
Mas persistia a questão; … afinal de onde vem o Alviela?
Colocámos as mochilas às costas e trilho acima, fomos à procura da origem das águas da nascente do rio.
Pelo caminho em direcção ao topo da serra de Santo António, fomos descobrindo toda a verdadeira beleza do Parque Natural das Serra de Aires e Candeeiros.
Caminhámos entre muros de pedra calcária por ali apelidados de Chousos, os quais as populações utilizam para guardar o gado. Passámos por entre medronheiros carregadinhos de frutos bem maduros e doces. “Escondemo-nos” em abrigos de pastores. Trilhámos por pegadas de Dinossauros e grutas com vistas de cortar a respiração … locais de silencio absoluto e ar puro, onde nos sentimos em verdadeira sintonia com a natureza.
Finalmente, lá bem no alto, a recompensa simplesmente extasiante!
De um lado, consegue-se avistar o início do grande Vale do Tejo. Do outro, a Serra de Aires e Candeeiros e lá em baixo, o seu Polje cravado no meio das montanhas.
Torna-se então possível, compreender a origem das águas do Alviela!
No meio do choque constante das formações calcárias de milhões de anos, ficou pelo meio, um vale de planalto a que se dá o nome de Polje, e neste local, pela Vila que ali foi criada, o Polje de Minde. Além daquele parque constituir a maior formação calcária de Portugal, é também uma das maiores da Europa. É ali no subterrâneo, que encontramos a maior concentração de água doce do nosso país, pois as águas das chuvas ao penetrarem as rochas, dão lugar através de processos de erosão, a rios subterrâneos, grutas (horizontais), algares (verticais) e poljes (bacias).
Toda a água em excedente no subsolo, corre então limpa, fresca e cristalina para inúmeros cursos de água, dando origem a nascentes cársicas, sendo um dos mais confluídos, o Rio Alviela. Por esse motivo, que desde há muito que a EPAL decidiu canalizar ali na nascente dos Olhos de Água, as águas que abastecem Lisboa.
Mas também se dão outros fenómenos derivados das infiltrações de água, como é o caso das Salinas da Várzea da Marinha, cujo sal não é marinho, mas sim com origem geológica nas águas das serras deste parque natural que havemos de dedicar uma próxima narrativa.
Porquê um Mar de Minde?!
Em Invernos rigorosos, toda a constituição de grutas e algares por baixo do polje e em simultâneo da Vila de Minde, ficam saturadas de água, e não havendo escoamento que acompanhe a pluviosidade, o vale dá lugar a um enorme lago, ficando a mata e os seus espinheiros, parcialmente submersos. Devido à sua enorme dimensão e à acumulação de água, creio que terão sido as gentes da Vila, quem terá apelidado o polje como Mar de Minde!
Curiosamente, descobri numa daquelas conversa de café, que Minde também se pode dizer Ninhou, tendo-me sido explicado, que por ali existe um antigo dialecto local muito próprio; o Mindérico ou Piação .
Para a despedida, nada melhor que um brinde com uma paisagem fantástica como pano de fundo.
Nas nossas próximas aventuras neste parque natural, iremos à descoberta das Grutas de Mira D’Aire, as Salinas de Rio Maio,as Pegadas de Dinossauros e ainda de um fabuloso acidente geográfico.
E agora, partam à aventura e desliguem-se de tudo, menos dos bons momentos.
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